Abordar esses festejos é uma forma de respeitar e valorizar a contribuição dos diferentes povos para a diversidade cultural de nosso país
Dançar quadrilha, brincar de pescaria, comer guloseimas como canjica, pipoca, pé de moleque – festa junina é garantia de diversão. Esses festejos sempre estiveram presentes nas escolas, mas, nos últimos anos, as festas de São João têm se fortalecido e ajudado a valorizar cidades nordestinas e suas culturas, contribuindo para quebrar preconceitos. Celebrações em localidades como Caruaru (Pernambuco) e Campina Grande (Paraíba) ficaram famosas e atraem multidões para as ruas.
Todo esse contexto pode inspirar os professores a explorarem o tema em sala de aula, abordando não só as festas juninas, mas também a cultura popular e outros festejos regionais.
Festejos populares e suas origens
O primeiro passo para trabalhar a temática com os estudantes é entender o que são esses eventos. As festas populares, como o carnaval, a folia de reis e as festas juninas, podem ser definidas como manifestações culturais coletivas que envolvem rituais, celebrações e práticas sociais de uma comunidade. “Esses rituais têm uma grande dimensão simbólica, repleta de interações e formas expressivas de arte – como música, canto, dança, culinária – e uma grande capacidade de agregação coletiva, diz Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, antropóloga e professora titular do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ).
Ela explica que outra característica desses festejos é a liminalidade, período de transição em que as normas sociais habituais são suspensas. Ou seja, a população para com sua vida cotidiana para celebrar um festejo. Depois, retorna à sua vida habitual. Geralmente são cíclicas e acontecem em determinadas épocas do ano.
Assim como a Páscoa e o Natal, as festas juninas foram trazidas pelos colonizadores portugueses, que reproduziram aqui seus festejos cristãos. “As tradições dos povos originários indígenas e dos povos africanos, ao longo da história, foram encontrando brechas nesse calendário festivo cristão”, continua Maria Laura. E, assim, houve uma complexa mistura de influências culturais de todos esses povos, cada um contribuindo com suas tradições e práticas, que se fundiram ao longo dos séculos para criar as diversas celebrações que conhecemos atualmente.
Mas os festejos de cunho religioso foram perdendo força no ambiente escolar ao longo do tempo. “Hoje, nas escolas, nós somos orientados a não fazermos os festejos católicos, principalmente porque as escolas são laicas, a não ser as instituições de ensino católicas”, afirma Barbara Ribeiro Silva, professora de Geografia do Colégio Anglo-Lebiste e da EMEF Maria Rita Lopes Pontes, em Embu-Guaçu (SP). “Muitos alunos de outras religiões não costumavam participar das festas juninas por conta dessa vinculação com os santos católicos. Por isso, hoje, a gente celebra a festa junina como uma festa popular tradicional brasileira.”
Abordagem com intencionalidade pedagógica e sem estereótipos
Para trazer a cultura popular e seus festejos para a sala de aula, não basta apenas promover uma festa junina na escola. É importante refletir sobre o seu significado e seus valores com os alunos. “É uma oportunidade para os estudantes entenderem a pluralidade cultural do nosso país e resgatar a memória sobre a nossa diversidade”, considera a professora Lavini Castro, mestre em Relações Étnico-Raciais, doutoranda em História e coordenadora da Rede de Professores Antirracistas.
Mostrar aos alunos as diferenças nas celebrações das várias regiões brasileiras pode ser um caminho. Mas é necessário tomar cuidado para não cair em estereótipos. “O estereótipo em si não é, necessariamente, ruim, mas tem um limite que deve ser respeitado, senão pode ficar estigmatizado”, aponta Anderson Awvas, pesquisador, consultor cultural e criador do projeto “Folclore BR: Uma nova visão”. “Às vezes, o estereótipo pode ajudar a exemplificar como as pessoas costumam se vestir em uma determinada região. Mas isso não quer dizer que todos os moradores daquela localidade se vestem assim. Por isso, é preciso tomar cuidado com essa abordagem”, complementa.
Ele diz que é possível abordar o tema das festas juninas com intencionalidade pedagógica em todos os segmentos da Educação Básica:
Na Educação Infantil, é importante usar imagens, por isso, vale trabalhos manuais, como a produção de enfeites, além de danças e brincadeiras típicas.
No Ensino Fundamental, os estudantes podem aprender como a festa é organizada. “Quais são os elementos usados no festejo? O que eles representam dentro da sociedade?” exemplifica o especialista.
No Ensino Médio, é possível aprofundar, falando sobre a construção da identidade do povo brasileiro e de seus festejos, a partir da própria história do Brasil.
Outra possibilidade é comparar as festas de São João do Nordeste: Campina Grande (Paraíba) e Caruaru (Pernambuco), que brigam pelo título de maior São João do mundo; Juazeiro do Norte (Ceará), onde tem grandes romarias para os festejos; e São Luís (Maranhão), muito famoso pelo Bumba Meu Boi. “Quais as diferenças e semelhanças entre esses festejos? “Como todas essas festas se conectam? A festa da minha escola, do meu bairro, de alguma forma, tem uma conexão com outras festas que acontecem em cidades diferentes da minha?”, indica Anderson.
Intertextualidade e o papel social das festas populares
Os professores também podem trabalhar o tema junino em diálogo com outros componentes curriculares. Ana Claudia Santos, professora de Língua Portuguesa na EE Padre Paulo, em Santo Antônio do Monte (MG), sugere atividades que relacionam Música e Artes Plásticas para as turmas do 8º e 9º anos do Ensino Fundamental.
“O professor pode compartilhar com seus alunos as imagens das telas São João, de Di Cavalcanti; Festa de São João, de Anita Malfatti e Festa de São João, de Candido Portinari. Essas obras mantêm uma relação intertextual e ajudam a construir a consciência estética – elemento essencial para a existência e permanência das manifestações artísticas e culturais”, destaca a docente.
Para complementar a atividade, Ana Claudia sugere relacionar as telas a músicas de artistas da região da escola. Os alunos podem levar para a sala de aula as canções preferidas de suas famílias e explicar sobre a autoria, os contextos e o porquê das escolhas. Depois, o professor pode mostrar como elas se relacionam com as pinturas. A ideia é organizar um mural, uma exposição em que os versos denotam uma realidade ou uma lembrança diretamente relacionada a uma pintura.
Essa atividade é uma forma de articular as diferentes linguagens à palavra e aos processos de criação artística, elementos necessários à formação de identidades, conforme ressalta a professora. “É uma reflexão sobre o papel social que as festas populares têm enquanto manifestações artístico-culturais. Ela está relacionada à habilidade EF89LP32 [da Base Nacional Comum Curricular, a BNCC], que consiste em analisar os efeitos de sentido decorrentes do uso de mecanismos de intertextualidade”, comenta a professora.
Explorando as festas tradicionais do Brasil
Além das festas juninas, o Brasil é repleto de outros festejos tradicionais, que acontecem em diferentes regiões ao longo do ano. Aqui, selecionamos uma festa por região, mas é possível escolher outros festejos populares para trabalhar com os estudantes.
Região Norte
Festival de Parintins, ou Boi-Bumbá de Parintins, é realizado na cidade de Parintins (AM), no Amazonas, no último final de semana de junho. A festa traz a competição entre dois grupos folclóricos: Boi Garantido e Boi Caprichoso, durante três noites de folia.
Região Nordeste
Bumba Meu Boi ou Boi-Bumbá é uma festa popular que acontece em junho em diferentes estados brasileiros, como Maranhão e Pernambuco (além de Pará e Amazonas, na região Norte). A celebração, que mistura teatro, dança, música e religiosidade, conta a lenda de um boi, sua morte e ressurreição. A festividade surgiu no século 17, mas a primeira comemoração popular foi registrada em 1840.
Região Centro-Oeste
Cavalhada, festa de origem portuguesa e espanhola, que remete aos antigos torneios de cavaleiros medievais. A celebração, que costuma acontecer em maio, encena a batalha entre mouros e cristãos. É comemorada principalmente em Goiás e Mato Grosso, mas também acontece em estados de outras regiões, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Região Sudeste
Carnaval é a maior festa popular do país, que ocorre em fevereiro ou março. Sua origem vem da Idade Média, ligada ao Cristianismo. Chegou ao Brasil durante o período colonial e, ao longo do tempo, a dança e os ritmos como samba, maracatu e frevo, foram sendo incorporados às festas. No Rio de Janeiro e em São Paulo, o destaque fica para os desfiles das escolas de samba, mas os blocos de rua crescem em todo o país. A celebração também é muito forte em outras regiões, principalmente no Nordeste.
Região Sul
Semana Farropilha é celebrada, anualmente, em setembro, no Rio Grande do Sul. Há desfiles em homenagem aos líderes da Revolução Farroupilha, ocorrida entre 1835 a 1845. A folia também tem músicas regionais, danças e comidas típicas, além do famoso chimarrão.
A riqueza da diversidade cultural brasileira
Abordar as festas tradicionais com os alunos contribui para a preservação e o fortalecimento da identidade popular, principalmente quando as atividades acontecem na mesma região da escola. Para a professora Lavini, é uma grande oportunidade para trabalhar a memória e o respeito à diversidade cultural da cidade.
Já as festividades que ocorrem em outras regiões constituem uma possibilidade preciosa para valorizar o respeito à diversidade cultural de outras localidades brasileiras. “Quando os professores apresentam aos alunos uma pluralidade de festas de diferentes grupos que compõem a sociedade brasileira, os estudantes tomam consciência do quanto o país é rico culturalmente e não ficam fechados só na região em que vivem”, salienta Lavini.
Para colocar isso em prática, ela sugere uma atividade para os alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental. O professor divide a classe em grupos, que vão pesquisar os costumes e as festas populares de cada região. Após essa etapa, cada grupo simula uma empresa de turismo, organizando materiais de divulgação – como vídeos, folders, panfletos e cartazes – com informações sobre os festejos populares daquela região, além de outros aspectos, como a culinária, os pontos turísticos etc. Essa atividade trabalha com a habilidade EF07HI12 da BNCC, que tem o objetivo de identificar a distribuição territorial da população brasileira em diferentes épocas, considerando a diversidade étnico-racial e étnico-cultural.
Festas populares e educação antirracista
Falar sobre festejos populares e diversidade cultural também é falar sobre uma Educação Antirracista, sem preconceitos ou estigmas. “Ao olharmos para a cultura popular, precisamos sempre ter um pensamento antirracista. A cultura popular brasileira foi se formando pela tentativa colonialista de aniquilação de culturas como a indígena e a africana. Mas não deu certo, ainda bem”, afirma o pesquisador Anderson. “Suas histórias chegaram até nós graças à resistência desses povos.”
A professora Lavini vai na mesma linha e afirma o quanto é importante abordar a história das resistências desses povos até hoje. “Trabalhar com a diversidade regional é trabalhar com Educação Antirracista. É mostrar aos alunos como essas festividades da cultura popular são formas de resistir contra uma mentalidade racista que inferiorizou grupos populares durante séculos”. Um exemplo são as Congadas, que ocorrem em diversos estados brasileiros, marcadas por danças e cantos que narram a história dos reis do Congo e a luta pela libertação dos escravos.
Além do caráter antirracista, trabalhar com as diferentes culturas e tradições enriquece o repertório dos estudantes ao mesmo tempo que desenvolve habilidades como empatia e respeito. A professora Bárbara, de Geografia, mostra um possível caminho para despertar essas competências nos alunos.
A docente sugere uma atividade para estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental, que se chama “De onde vem minhas tradições?”. A ideia é pedir aos alunos para pesquisarem, em casa, a origem de seus familiares e suas tradições. “Pergunte a eles: qual a origem da sua família? Quais tradições foram passadas de geração para geração na sua família, incluindo os festejos?”, exemplifica.
Na aula seguinte, as crianças deverão expor suas pesquisas. Depois, o professor deve pedir para que busquem entre os colegas quem tem origem ou tradição semelhante. O passo seguinte é organizar a turma em grupos, de acordo com as semelhanças, e cada grupo deve contar à classe sobre essas características. Assim, todos conhecerão um pouco das tradições e costumes presentes na turma. Essa atividade contempla a habilidade EF02GE02 da BNCC, que compara costumes e tradições de diferentes populações inseridas no bairro ou comunidade em que vive, reconhecendo a importância do respeito às diferenças.